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SOLICITADORES PREVÊEM QUE DESPEJOS DUPLIQUEM ESTE ANO
Depois de, no ano passado, se ter registado uma redução do número de processos de despejo, este ano os casos deverão duplicar. A estimativa é do presidente da Câmara dos Solicitadores, José Carlos Resende, que espera um aumento significativo deste tipo de processos com a conjugação da entrada em vigor da nova lei do arrendamento e dos tempos de crise. "Em vez de avançarem para tribunal e esperarem dois ou três anos para reaver as casas, os senhorios preferiram aguardar pela nova lei", explica. Por isso, a sua expectativa "é que rapidamente se atinja o dobro dos processos e que cheguemos ao final do ano com oito mil processos."

As estatísticas da Câmara dos Solicitadores revelam que, no ano passado, os agentes de execução receberam 4.172 processos de entrega de coisa certa, sendo que "a esmagadora maioria correspondem a despejos", explica o presidente. Em 2011 tinham sido um pouco mais, atingindo os 4.855. Agora, admite, "vai haver um ‘boom’, uma corrida aos despejos, motivada por todo o ruído mediático" e as garantias "de que tudo será mais rápido. Vão aparecer pessoas que antes não estavam para se chatear e agora avançam para o despejo".

Os números mais recentes do Balcão Nacional do Arrendamento (BNA), fornecidos pelo Ministério da Justiça, revelam que até à passada quinta-feira, 28 de Fevereiro, tinham dado entrada no BNA 575 procedimentos, uma média diária perto de doze despejos. E o principal "incentivo" aos proprietários deverá ser a rapidez que o BNA garante. Antes, recorda o solicitador, nas grande comarcas, com muitos processos pendentes, era por vezes preciso esperar "dois ou três anos para que o juiz dissesse ‘arrombe-se a porta’, uma vez que os despejos não eram processos urgentes", como agora passou a acontecer.

Governo deve preparar uma "resposta social"

Muito embora não tenha ainda registado casos com a gravidade dos que acontecem em Espanha, envolvendo suicídios, José Carlos Resende não tem dúvidas de que, com a crise, aumenta o incumprimento nas rendas e os despejos. A isso soma-se a entrada em vigor da nova lei, apesar das cláusulas de salvaguarda que contém.

"Vamos ter problemas sociais em zonas caracterizadas das cidades, onde durante anos e anos não houve aumentos de rendas", alerta, acrescentando que "vai haver dois momentos de grande incremento [dos despejos]: dentro de alguns meses, relativamente às pessoas que têm menos de 65 anos que estão desempregados, têm algumas dificuldades, e novamente daqui a cinco anos [findo o período de transição]." O mais preocupante, acrescenta, "é que a experiência tem mostrado que o funcionamento da resposta social é mau." E há "situações extremamente graves". Se os idosos, por exemplo, "não podem pura e simplesmente ser despejados, porque essas situações à partida têm um travão assegurado", noutros casos isso não acontece. "Temos muitas situações de pessoas que estão próximas da deficiência, viciados em álcool, drogas ou jogo, temos desempregados de longa duração que deixam de poder pagar a renda". Para esses, defende, "é assisado que o Governo crie ‘task forces’ para responder quando chegar o momento".

Agora, já é muitas vezes necessário envolver várias entidades, como câmaras, freguesias ou Segurança Social, sempre que há casos em que as pessoas não têm para onde ir nem qualquer apoio familiar. "O problema é quando esses casos se tornarem cada vez mais frequentes". Era importante "que tivéssemos um número de emergência por região onde pudéssemos falar e reportar o que se passa. Temos casos humanos muito graves, que serão ainda mais complicados com a crise que estamos a viver", remata.


Os casos mais comuns

Nem sempre é fácil distinguir os "casos sociais" dos impostores.


Mães sozinhas "são os casos mais complicados"

Os casos mais complicados são mulheres sozinhas, com filhos, muitas vezes sem trabalho e sem apoio familiar. "Ainda há pouco tempo tivemos em mãos uma senhora com um filho de seis anos e grávida de gémeos, que vivia numa miséria absoluta", relata o presidente da Câmara dos Solicitadores. "O marido tinha-a abandonado e ela não tinha capacidade de pagar a renda de uma casa absolutamente miserável em que até ficávamos a pensar porque é que o senhorio queria a casa de volta". Mas o que é certo é que queria e o agente de execução, encarregue de fazer o despejo, é que acabou por resolver a situação, accionando a ajuda necessária para que a inquilina conseguisse pagar as rendas em atraso e um apoio para pagar daí para a frente. "Neste caso foi a igreja local que acabou por ajudar e o agente de execução fez a ponte com o senhorio", explica José Carlos Resende. Os "casos sociais", com lhes chama, são frequentes. "Como o daquela senhora idosa que se recusava a sair de uma casa a cair aos bocados porque não tinha sítio para deixar o gato". Neste caso, explica, a Junta de Freguesia lá conseguiu uma vaga num lar que também acolheu o gato.


Os "especialistas" compram a casa mas só pagam o "sinal"

Ao mesmo tempo, também há os casos de "especialistas", que sabem que estão numa situação ilegal ou de incumprimento, e procuram arrastá-la o mais possível. Como "o de uma senhora que comprou uma casa, deu um sinal de 500 euros, mudou-se e esteve lá oito meses sem nunca mais pagar nada", conta José Carlos Resende. "Depois fomos a ver e a senhora já era a quarta vez que fazia o mesmo". O agente de execução foi fazer o despejo, acompanhado pela polícia e por um serralheiro para arrombar a porta, mas deparou-se-lhe uma casa fechada com duas adolescentes lá dentro, a chorar e a dizer que a mãe não estava. Acabou por ser uma vizinha a relatar que a senhora costumava fazer o mesmo sempre que aparecia algum credor: saía pelas traseiras e deixava as filhas na casa. Decisão radical, o agente de execução decidiu mesmo avançar com o despejo. A mãe acabou por aparecer, pegou nos seus pertences e foi-se embora. "Se calhar, foi comprar outra casa por 500 euros", conclui.
 

 
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