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O CRÉDITO MALPARADO
A banca portuguesa ainda carrega com o peso das desastradas políticas económica e orçamental que nos levaram à bancarrota de 2011. Portugal é entre os quatro países periféricos o segundo com maior peso de crédito malparado, logo a seguir à Grécia e antes da Irlanda e da Espanha.

Os principais sectores com maior peso dos non-performing loans (NPL) são a construção civil e obras públicas, os grupos imobiliários e as PME.

Podemos dizer que existem dois segmentos importantes, os grandes credores que representam 30 a 40% do crédito malparado e as PME. Nos grandes credores houve obviamente problemas de governança com a ligação passada entre grupos económicos, banca e política naquilo que eu costumo chamar capitalismo de compadrio (crony capitalism), e nas PME e no crédito ao consumo houve problemas na análise de risco de crédito.

Mas a banca também foi agente activo dos nossos problemas, na medida em que pelas suas decisões de crédito contribuiu para a má afectação dos recursos. Com o euro, o enorme afluxo de meios financeiros do centro da Europa foi canalizado para empresas e sectores de baixa produtividade. Segundo Miguel Cadilhe - no prefácio do livro A Banca e a Economia Portuguesa, de Carlos Alves e Carlos Tavares -, "caso o investimento tivesse respeitado condições mínimas de eficiência, a economia portuguesa poderia ter crescido entre 2000 e 2015, em termos reais, mais 1,4 pontos percentuais por ano".

Fala-se em recapitalização e estabilização do sistema bancário, mas há que não esquecer o problema dos créditos malparados, continuando os nossos bancos a ter uma elevada percentagem de NPL (cerca de 20% dos activos, rácio mais elevado do que em Espanha ou na Irlanda).

Não basta criar o chamado bad bank para retirar o crédito malparado dos bancos. Há que pensar como é que eles vão ser recuperados economicamente. Na realidade, eles são débitos das empresas e em menor dimensão das famílias. Só com a sua recuperação, total ou parcial, é que os contribuintes ou os bancos serão ressarcidos no caso de esse bad bank ser financiado, respectivamente, pelos contribuintes ou pelos bancos.

Assim, uma questão crucial que o Prof. Abel Mateus levantou recentemente é quais os mecanismos, os instrumentos e os incentivos para a gestão e recuperação desse crédito malparado.

Sabemos da literatura e da experiência bancária, não só em Portugal como na Europa, que há incentivos negativos a essa recuperação de crédito malparado, designadamente: sistemas judiciais ineficientes, problemas de assimetria de informação; problemas de pricing desses activos por mau funcionamento e ineficiência dos mercados; incentivos, por vezes, para os bancos adiarem muitas vezes o reconhecimento das perdas com tais activos.

Portugal continua a crescer menos do que a Irlanda e a Espanha, depois de uma década e meia de quase estagnação, e essa recuperação depende muito da saúde económico-financeira das empresas, devendo-se fechar as que não são economicamente viáveis e reestruturar a dívida e as operações das que são economicamente viáveis.

Ainda que tenham sido feitas reformas, faltam gestores de insolvência, os tribunais têm falta de meios, os processos de insolvência são muito morosos e as competências de gestão para a recuperação destes activos são débeis.

Há que criar também mecanismos de mercado para a gestão e recuperação destes activos, recorrendo a plataformas europeias e até, como propõe o Prof. Abel Mateus, a programas de twining com empresários de países com experiencia nisto, casos da Suécia e da Alemanha.

Também se fala agora muito em startups, mas poucos falam numa dinâmica de intraempreendedorismo, como me foi proposto pelo Prof. Epifânio da Franca no Conselho da Indústria da CIP, que permita retirar de empresas em dificuldade bons activos, que estão aí constrangidos pelas dificuldades financeiras e operacionais dessas empresas, permitindo a constituição de novas empresas com potencial de crescimento e com balanços limpos e adequados ao investimento de capital de risco. Tal permitiria actuar sobre a base industrial que temos de forma realista. Neste contexto, urge simplificar e agilizar processos de insolvência para sanitização, utilizando depois instrumentos de capitalização e de capital de risco.

FONTE: Diário de Noticias (16/05/2017)